Hoje gostaria de conversar com vocês a despeito de um problema muito comum e que rende várias ações judiciais, trata-se da venda de veículo e suas implicações nos órgãos de trânsito, ou seja, em outras palavras, a transferência de propriedade.
A princípio, faz-se preciso observar a regra prevista na legislação de trânsito, especificamente, no art. 134 do CTB:
Art. 134. No caso de transferência de propriedade, o proprietário antigo deverá encaminhar ao órgão executivo de trânsito do Estado dentro de um prazo de trinta dias, cópia autenticada do comprovante de transferência de propriedade, devidamente assinado e datado, sob pena de ter que se responsabilizar solidariamente pelas penalidades impostas e suas reincidências até a data da comunicação.
Parágrafo único. O comprovante de transferência de propriedade de que trata o caput poderá ser substituído por documento eletrônico, na forma regulamentada pelo Contran. (Incluído pela Lei nº 13.154, de 2015)
Em leitura do artigo é possível destacar, em resumo, que o antigo proprietário (vendedor) tem até 30 dias para comunicar a venda junto ao DETRAN de seu estado, sob pena de incorrer solidariamente pelas multas e outros débitos do veículo (IPVA, Licencimento, diária de remoção e etc).
No tocante ao posicionamento do Poder Judiciário, existem paralelamente duas correntes, vejamos quais são:
- A primeira corrente segue a orientação do STJ. Com efeito, a regra do art. 134do CTBdeve ser mitigada quando comprovado que o negócio jurídico (transferência/venda do veículo) ocorreu em data anterior ao lançamento dos débitos. Vale destacar que esta flexibilização do referido artigo não é regra, e não denota também inconstitucionalidade do texto legal.
Adiante, segue algumas jurisprudências a respeito desta corrente primeira:
ADMINISTRATIVO E PROCESSO CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ALIENAÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR. MULTAS. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DO ALIENANTE. INTERPRETAÇÃO MITIGADA DO ART. 134 DO CTB. ACÓRDÃO RECORRIDO EM CONFORMIDADE COM A JURISPRUDÊNCIA DO STJ. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 83/STJ. INTERPRETAÇÃO TELEOLÓGICA. INAPLICABILIDADE DO ART. 97 DA CF/88. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO 1. Comprovada a transferência da propriedade do veículo, afasta-se a responsabilidade do antigo proprietário pelas infrações cometidas após a alienação, mitigando-se, assim, o comando do art. 134 do Código de Trânsito Brasileiro. 2. A mitigação do art. 134 do CTB não implica em declaração de inconstitucionalidade do referido dispositivo legal, tampouco o afastamento desse, mas tão-somente a interpretação do direito infraconstitucional aplicável à espécie, razão pela qual não há se falar em violação à cláusula de reserva de plenário prevista no art. 97 da CF e muito menos à Súmula Vinculante 10 do STF (AgRg no AREsp 357.723/RS, Rel. Min. BENEDITO GONÇALVES, DJe 10.09.2014). 3. Agravo Regimental do DETRAN/RS desprovido. (AgRg no AREsp 454.738/RS, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, julgado em 4/11/2014, DJe 18/11/2014).
E no mesmo entendimento:
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. ALIENAÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR. MULTAS. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DO ALIENANTE. INTERPRETAÇÃO DO ART. 134 DO CTB. RELATIVIZAÇÃO. PRECEDENTES. 1. Há nos autos prova de que o agravado transferiu a propriedade do veículo antes da ocorrência dos fatos geradores das obrigações, ou seja, as infrações de trânsito ocorreram quando o veículo já estava em propriedade do novo comprador. 2. O art. 134 do Código de Trânsito Brasileiro dispõe que, no caso de transferência de propriedade de veículo, deve o antigo proprietário encaminhar ao órgão de trânsito, dentro do prazo legal, o comprovante de transferência de propriedade, sob pena de se responsabilizar solidariamente pelas penalidades impostas. 3. Ocorre que tal regra sofre mitigação quando ficar comprovado nos autos que as infrações foram cometidas após aquisição do veículo por terceiro, mesmo que não ocorra a transferência, nos termos do art. 134 do CTB, afastando a responsabilidade do antigo proprietário. Precedentes. Súmula 83/STJ. 4. Mostra-se despropositada a argumentação de inobservância da cláusula de reserva de plenário (art. 97 da CRFB) e do enunciado 10 da Súmula Vinculante do STF, pois, ao contrário do afirmado pelo agravante, na decisão recorrida, não houve declaração de inconstitucionalidade dos dispositivos legais suscitados, tampouco o seu afastamento, mas apenas a sua exegese. Agravo regimental improvido. (AgRg no REsp 1482835/RS, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 4/11/2014, DJe 14/11/2014).
O reflexo desta corrente também atinge os tribunais de primeira instância, como se vê na jurisprudência abaixo:
TRÂNSITO. MULTA. PROVA DA TRANSFERÊNCIA DA PROPRIEDADE DO VEÍCULO. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DA COMUNICAÇÃO DE VENDA AO DETRAN. IRRELEVÂNCIA. MITIGAÇÃO DA REGRA DO ARTIGO 134, CTB. PRECEDENTES STJ E TJRS. Havendo prova da transmissão da propriedade do veículo, que se opera com a tradição do bem móvel, na forma do artigo 1.267, CC/02, deve ser mitigada a regra do artigo 134, CTB, que estabelece a responsabilidade solidária do antigo proprietário pelas multas posteriormente aplicadas, caso não comunicada a alienação ao órgão de trânsito, sendo desarrazoado que a inobservância de mera formalidade administrativa tenha tal alcance. (Apelação e Reexame Necessário Nº 70079731113, Vigésima Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Armínio José Abreu Lima da Rosa, Julgado em 28/11/2018).
(TJ-RS – REEX: 70079731113 RS, Relator: Armínio José Abreu Lima da Rosa, Data de Julgamento: 28/11/2018, Vigésima Primeira Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 06/12/2018)
2. A segunda corrente dispensa a flexibilização do art. 134do CTBtrazida pelo STJ e aplica a regra literária do referido artigo, isto por entender que a legislação não prevê faculdade para sua aplicação, devendo ser interpretado o texto da lei em consonância com o art. 123 do mesmo código. Dessa forma, é dever do antigo e do novo proprietário providenciar a transferência de titularidade do veículo, ambos no prazo de 30 dias, não o fazendo, devem ser responsabilizados solidariamente pelos encargos do automotor.
Nessa corrente, seguem iguais jurisprudências:
APELAÇÃO CÍVEL. TRIBUTÁRIO. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. VEÍCULO. TRANSFERÊNCIA. RESPONSABILIDADE PELO PAGAMENTO DOS DÉBITOS TRIBUTÁRIOS. SOLIDÁRIA. AUSÊNCIA DE COMUNICAÇÃO DO ANTIGO PROPRIETÁRIO AOS ÓRGÃOS DE TRÂNSITO. ARTIGO 123 e 134 DO CTB. TRANSFERÊNCIA DOS DÉBITOS TRIBUTÁRIOS PARA O NOME DO NOVO PROPRIETÁRIO. IMPOSSIBILIDADE. ARTIGO 123 DO CTN. RECURSO DESPROVIDO. 1. O art. 123, inciso I, e § 1º, c/c o art. 134, do CTB, estabelecem que, no caso de transferência da propriedade do veículo, deve o antigo proprietário encaminhar ao órgão executivo de trânsito do Estado, dentro do prazo de trinta dias, cópia autenticada do comprovante de transferência da propriedade, devidamente assinado e datado, sob pena e ter que se responsabilizar solidariamente pelas penalidades impostas e suas reincidências até a data da comunicação. 2. Salvo disposições de lei em contrário, as convenções particulares, relativas à responsabilidade pelo pagamento de tributos, não podem ser opostas à Fazenda Pública, para modificar a definição legal do sujeito passivo das obrigações tributárias correspondentes – art. 123 do CTN. 3. Recurso conhecido e desprovido.
(TJ-DF 20161210014184 DF 0001395-63.2016.8.07.0012, Relator: SILVA LEMOS, Data de Julgamento: 12/07/2017, 5ª TURMA CÍVEL, Data de Publicação: Publicado no DJE : 10/08/2017 . Pág.: 260/264)
Com igual posicionamento:
APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER – COMPRA E VENDA DE VEÍCULO – PROVA DA TRADIÇÃO DO BEM – AUSÊNCIA DE COMUNICAÇÃO DA VENDA QUE IMPLICA INFRAÇÃO PECUNIÁRIA PARA O ANTIGO PROPRIETÁRIO – ARTIGO 134 DO CTB – RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA NO TOCANTE ÀS MULTAS DE TRÂNSITO – TRANSFERÊNCIA DE PROPRIEDADE JÁ ANOTADA PELO ÓRGÃO DE TRÃNSITO, APÓS A COMUNICAÇÃO FEITA PELO VENDEDOR – MANUTENÇÃO DA SENTENÇA – recurso CONHECIDO E DESPROVIDO – DECISÃO UNÂNIME.
(Apelação Cível nº 201800733856 nº único0001045-19.2018.8.25.0040 – 1ª CÂMARA CÍVEL, Tribunal de Justiça de Sergipe – Relator (a): Roberto Eugenio da Fonseca Porto – Julgado em 29/01/2019) (TJ-SE – AC: 00010451920188250040, Relator: Roberto Eugenio da Fonseca Porto, Data de Julgamento: 29/01/2019, 1ª CÂMARA CÍVEL)
Por fim, tem-se ainda:
APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO PÚBLICO NÃO ESPECIFICADO. TRÂNSITO. ILEGITIMIDADE PASSIVA. APLICAÇÃO DE MULTA AO EX-PROPRIETÁRIO. AUSÊNCIA DE COMUNICAÇÃO DA VENDA DO VEÍCULO. ART. 134 DO CTB. IMPOSSIBILIDADE DE IDENTIFICAÇÃO DO CONDUTOR. 1. Embora o órgão autuador do Auto de Infração de Trânsito atacado seja o Município de Cachoeirinha, o DETRAN/RS é parte passiva legítima quanto à inserção da pontuação no cadastro do condutor. 2. Em relação à aplicação da responsabilidade solidaria prevista no art. 134 do CTB em caso de não comunicação à autarquia de trânsito da alienação do bem, há que se contextualizar o caso concreto. Com efeito, tendo o anterior proprietário demonstrado a quem efetivamente vendeu o veículo, identificando-o adequadamente, torna-se possível à autarquia direcionar a ação administrativa a quem de fato tenha provocado a infração. Precedentes desta Corte e do STJ. 3. No caso concreto, no entanto, não logrou êxito o autor em demonstrar a identificação adequada do condutor da infração atacada, precipuamente como sendo o novo adquirente do veículo, para fins de aplicação da mitigação do art. 134 do CTB. […] (Apelação Cível Nº 70065380958, Quarta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Antônio Vinícius Amaro da Silveira, Julgado em 31/01/2018)
Imperioso grifar que ambas as correntes tem igual força e são compartilhadas pelos Tribunais de formas equivalentes. Portanto, não vale a pena correr o risco de ter uma pretensão indeferida no âmbito judicial. O importante é prevenir!!!
A orientação é que ao vender seu veículo, você deve preencher o DUT ou CRV (verso) com os dados do comprador; reconhecer as assinaturas (comprador e vendedor) em cartório; e retirar cópia autenticada deste documento e levá-lo ao DETRAN para comunicar a venda. Assim, você estará isento de qualquer responsabilidade pelos tributos e multas decorrente da propriedade automotiva.
Ao entregar as chaves do seu veículo nas garagens de venda de automotores, exija o mesmo procedimento, uma vez que o contrato entre particulares não tem validade perante a terceiros, neste caso a Administração Pública.