O Direito Médico e o da Saúde são áreas interligadas, porém, tem origens e consequências distintas. Para melhor entendimento é necessário compreender a evolução histórica do direito da saúde e da medicina.
Inicialmente, cabe esclarecer que apenas com a Constituição de 1988 a saúde foi reconhecida como direito fundamental. Nos diplomas constitucionais anteriores muito embora tivessem normas tratando da saúde, o objetivo era tão somente delimitar competências legislativas e administrativas. Conforme aduziu Silva (2005, p. 308) “é espantoso como um bem extraordinariamente relevante à vida humana só agora é elevado à condição de direito fundamental do homem”, assim, nota-se que a positivação garantiu ao cidadão que a saúde, mais que um bem, também é um direito, este que foi disposto em um sistema para sua efetivação.
Nesse contexto, o acesso à saúde é garantido de forma universal e gratuita pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e de maneira suplementar pela iniciativa privada. Desse modo, a assistência à saúde, por disposição constitucional, pode ser via iniciativa privada, atuando de forma a suplementar o sistema único de saúde e não substituí-lo haja vista que “certas atribuições continuam sendo exclusivas do sistema público, como os programas de vacinação e alguns tipos de transplante.” (CESCHIN e VARELLA, p.21).
Com efeito, observa-se o fenômeno da judicialização da saúde que, em suma, seria a busca do Poder Judiciário para decisões relativas ao direito da saúde, seja no âmbito do SUS ou saúde suplementar. Nesse contexto que há a atuação do (a) advogado (a) especialista em direito da saúde, sendo os principais desencadeadores das ações judiciais na área de saúde pública àquelas relativas a (i) negativa do poder público fornecer medicamentos, seja aqueles presentes na lista do SUS ou os que não estão, mas preenchem os requisitos estabelecidos pelo STJ no REsp 1.657.156, (ii) negativa ou dificuldade para o acesso a cobertura de procedimentos (em especial cirurgias), (iii) Home Care, (iv) leitos na Unidade de Terapia Intensiva (UTI), ou seja, demandas em que o poder público inviabiliza o acesso à saúde que é universal e gratuita para todos os brasileiros.
No âmbito da saúde suplementar que segundo números dados da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) o segmento é composto por mais de 45 milhões de beneficiários teve um aumento exponencial de judicialização, seja por aspectos econômicos ou limitação no acesso à saúde. São demandas próprias da área aquelas referentes às (i) exclusões de coberturas, sob o argumento que o rol da ANS é exemplificativo; (ii) reajustes de mensalidades; (iii) longos períodos de carência; (iv) rescisões unilaterais dos contratos; (v) limitações de internações e acompanhamento psicoterápico; (vi) cobertura de tratamento multidisciplinar para os autistas.
Por outro lado, o (a) advogado (a) especialista em direito médico atua por conta da judicialização da medicina. Antigamente a atuação do médico era vista como um sacerdócio, tinha-se a figura do médico de família que, muitas vezes, atendia o paciente em casa e o diagnóstico, bem como tratamento indicado era seguido, pois, tinha-se uma confiança mais sólida no conhecimento do médico. Atualmente, por uma série de motivos como: (1) a globalização que permitiu maior acesso às informações; (2) as novas tecnologias na área da saúde (exames, principalmente) que fez com que a sensação de segurança do paciente não seja atrelada apenas ao conhecimento técnico do profissional de saúde, mas sim, muitas vezes, a realização de exames, os quais não seriam necessários pelo diagnóstico ser clínico e as (3) falhas estruturais dos hospitais; culminaram na dessacralização (“perda” do caráter sagrado) dos médicos, sendo eles, cada vez mais, polo passivo nas ações de Erro Médico. A partir desses motivos, mas não apenas eles, que nasceu o Direito Médico que é o ramo jurídico com normas que disciplinam as relações entre médicos e os pacientes, o poder público e as instituições de saúde, assim como a atuação profissional. Apesar da área ser nomeada de Direito Médico, a atuação do advogado também pode se estender aos profissionais da saúde (médicos, fisioterapeutas, enfermeiros, psicólogos), seja na defesa administrativa junto aos Conselhos Profissionais ou judicial.
O Direito Médico Preventivo é uma das vertentes em ascensão. Muitos são os questionamentos dos médicos em que o advogado especialista na área pode sanar. Por exemplo: a utilização do carimbo médico é opcional, possibilidade da objeção da consciência do médico que é a hipótese do médico optar por não realizar atos médicos que, embora permitidos por lei, sejam contrários aos ditames da sua consciência, possibilidade da recusa terapêutica do paciente e as regras que norteiam a telemedicina são todas respostas que o advogado especialista em direito médico pode oferecer.
Diante do exposto, é clara a distinção das áreas, visto que, em apertada síntese, o advogado especialista em direito da saúde atua em casos de negativa ou dificuldade do acesso à saúde, no âmbito do SUS ou operadoras privadas de saúde, enquanto o especialista em Direito Médico auxilia profissionais da saúde, bem como clínicas de saúde, a seguirem os regramentos legais a fim de evitar demandas judiciais. É uma área que tem intersecção com o direito do trabalho, direito tributário, direito do consumidor e, por óbvio, necessita de um sólido conhecimento em processo civil.
REFERÊNCIAS:
1) SILVA, José A. Curso de Direito Constitucional Positivo. 25. ed. São Paulo: Malheiros, 2005.
2) CESCHIN, Mauricio; VARELLA, Drauzio. A saúde dos planos de saúde: os desafios da assistência privada no Brasil. 1 ed. São Paulo: Paralela, 2014.
4) PARECER CFM 1/2014 (carimbo médico). Disponível em: https://www.anamt.org.br/portal/2017/03/03/parecer-cfm-no-12014/. Acesso em: 27/06/2020.
5) RESOLUÇÃO CFM Nº 2.232/2019 (objeção da consciência). Disponível em: https://sistemas.cfm.org.br/normas/visualizar/resolucoes/BR/2019/2232. Acesso em: 27/06/2020
Fonte: Ana Claudia Souza (Jusbrasil)